10.5.07

 

Visão – inquietante – do Nosso Futuro Cultural

Um pouco por acaso, hoje à noite, ao regressar do cinema, aonde tinha ido ver um filme francês – La Môme – sobre a vida de Edith Piaf, que valeu mais pela meia dúzia de canções conhecidas daquela exímia cantora que pelo resto, eis que dei comigo, ao ligar a TV, com uma coisa chamada semi-final do 52º Festival da Eurovisão.

Coisa tão deplorável de ver, que cabe dizer: se isto é o futuro musical da Europa, bem podemos ir guardando os discos de há 30 e mais anos, porque o que aí vem, em matéria de música ligeira, é mesmo de fugir.

Para começar, quase todos os representantes dos países europeus (?) cantavam em inglês e os poucos que o faziam nas línguas naturais, usavam um estilo, na música, na melodia (?), na coreografia, etc., no mais puro estilo americano, de absoluto mau gosto, numa macaqueação absurda do pior espectáculo musical que se fabrica nos EUA.

Que quererá isto dizer? O fim da identidade cultural europeia, como a conhecíamos, nas suas diferentes especificidades ? A vitória irreversível do estilo musical americano ? O fim do uso dos idiomas europeus nas canções ?

Haja quem responda.

Uma coisa, porém, parece inequívoca: a atracção do abismo do mau gosto vence actualmente em toda a linha. Podem alguns argumentar que não existe essa coisa do bom ou do mau gosto, mas tão-só o gosto dominante de uma dada época, que traduz a preferência estética das massas populares, as chamadas maiorias, na música, como noutra qualquer forma de arte.

Seja o que for que tal signifique, o que é certo é que nunca como hoje, nas diferentes formas de arte, um só estilo, de influência anglo-saxónica, mas sobretudo norte-americana, assumiu tão esmagador domínio na cena mundial.

A Europa, apesar de todos os seus vetustos e conceituados pergaminhos, vacila e cai ante o império do estilo americano: na forma de fazer ciência, na tecnologia, na arte, na economia, na gestão, como na política, praticamente em tudo, a Europa se americaniza.

Adeus, velha e elegante Europa. Com o rock, acabaste por adquirir tudo o mais: Mcdonalds, cinema abrutalhado, empregos precários, segurança social mínima, ignorância e boçalidade a rodos e toda a demais fancaria, para grande pesar dos americanos excelsos que durante séculos prezaram a diferença da elegância e do requinte europeus.

Será por isto que os povos europeus anseavam? Terão definitivamente abandonado as suas culturas, as suas originalidades e para sempre fixado como seus ideais tudo aquilo que vêem os americanos fazer?

Sentir-se-ão com isto felizes aqueles que neste continente se batem pela bio-diversidade no mundo animal e vegetal e já no plano das culturas dos nossos diferentes povos não se importam com o predomínio de apenas um tipo de cultura, marcadamente de cunho americano ?

Hoje, com este destrambelhado Festival da Eurovisão, julgo ter vislumbrado uma prefiguração de algo feio, reles e estúpido que a decantada modernidade se prepara, mais depressa do que nos damos conta, para nos enfiar pelas goelas abaixo.

Queira Deus me tenha equivocado. Por uma vez, saudaria tal engano.

AV_Lisboa, 10 de Maio de 2007

Comments:
A música do Festival da Eurovisão é, e sempre foi, ligeira. A palavra ligeira diz tudo. Leve, superficial,fácil e rápida. Passa e ninguém dá conta. Não tem identidade, pertende ter mas nunca teve. Os cantores são e sempre foram principiantes que, mais tarde, alguns cresceram e foram alguma coisa e outros ficaram sempre a cantar o mesmo. Há ainda outros que, graças a DEUS foram esquecidos! A festinha europeia é tudo menos arte ou identidade. É um lugar onde uns parolitos europeus fazem a festa.
 
Caro António Viriato.
Concordo de uma maneira geral com o que diz. A Europa está também a ser vítima da americanização do mundo.Tal como o nosso pobre País está a ser vítima da "abrasileiração" e da "castelhanização". Em tempos foi vítima da romanização.
Vivemos num mundo sempre em mudança, embora com isso muito de bom se perca para sempre. E é pena.
No caso vertente, trata-se apenas de mais uma chachada televisiva, sem qualquer importância.
 
O meu pai também se chama Viriato: era preciso subscrever em força as candidaturas independentes e fazer com os partidos ganhassem respeito aos cidadãos pelo facto de os cidadãos os relativizarem.
 
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